Você conhece nossos amigos que moram nas avenidas 9 de Julho, Presidente Vargas e Independência?

Quando passamos nessas avenidas, especialmente lá pelas 18 horas, vemos e principalmente ouvimos um enorme grupo de aves, cantando, voando em grupos numerosos, fazendo sua farra, mas afinal porque será que esses animais estão lá? Praticamente no meio da cidade, não seria mais adequado para elas estarem voando nas matas próximas da nossa cidade?

Então… essa é uma situação bem complexa, não é tão simples assim.

Esses e outros animais precisam de um conjunto de condições que deve atender às suas necessidades básicas, como: alimento, abrigo, espaço para interações sociais etc. É exatamente o que nós também precisamos. Você não tem sua casa, o supermercado onde faz suas compras, o clube ou academia onde temos nossas interações sociais? Para diversas espécies ocorre o mesmo, por exemplo, elas necessitam de locais protegidos, condição que não encontram nas nossas matas próximas.

Alguém deve estar perguntando (e com toda razão) neste momento: “Que matas?”.

É isso mesmo, nas nossas proximidades são raras as áreas adequadas para eles. Vamos transformando todo e qualquer espaço em recurso para nossas necessidades específicas. Causando uma série de conflitos com esses animais. Essas espécies irão procurar e tentar utilizar o que for mais próximo do recurso necessário. Por isso o elevado número desses animais nas principais avenidas da nossa cidade. Para se ter ideia dos problemas que surgem a partir desses conflitos: 75 % das doenças humanas emergentes decorrem dessa disputa.

Dos seis continentes existentes, é justamente o nosso, a América, e em particular a do Sul, o local com a maior falta de estudos sobre a vida selvagem em áreas urbanas. Não precisamos nos deslocar muito para perceber que a taxa de urbanização de nossa cidade vem crescendo rapidamente, são condomínios, avenidas e loteamentos que brotam rapidamente, e com isso, vamos ocupando os locais que essas espécies dividem conosco. Porém, quando realizamos esse tipo de ocupação, transformamos de tal modo as condições do ambiente, e sempre em nosso benefício, sendo que as demais espécies são profundamente prejudicadas ou mesmo aniquiladas.

Então não devemos mais construir casas? Não, não precisamos radicalizar!

Vamos ampliar um pouco a discussão: a Amazônia é sempre lembrada como um local a ser preservado, temos manifestações no facebook, jornais, televisão, mas será que agimos da mesma maneira quando são os animais que nos cercam de perto, a questão em debate? Pouco esforço tem sido dedicado para estudar os animais que vivem nessas condições em nossas cidades. Por outro lado, o uso do espaço em comum com essas espécies pode levar a uma série de problemas sanitários. Há, por exemplo, várias zoonoses que podem se manifestar por causa dessa proximidade.

Então devemos realmente nos livrar deles animais? Não! Decididamente não é esse o melhor caminho. Temos de entender a situação para não piorá-la. Esses animais estão procurando atender às suas necessidades e, se dificultarmos ainda mais sua situação, o provável final dessa história será a extinção das espécies.

E qual o prejuízo de eliminarmos mais uma espécie do planeta? Não conseguimos avaliar realmente o impacto da perda de uma espécie. Há vários aspectos que uma espécie pode proporcionar, e essa informação perdida, com a sua eliminação, pode significar a perda de um medicamento, e que seria descoberto com um estudo mais profundo. Ou ainda, a eliminação de uma espécie pode criar uma lacuna no conhecimento de toda uma estrutura, quando, por exemplo, estudamos e comparamos famílias, gêneros de animais ou plantas etc. Portanto não temos ideia do que estamos perdendo quando uma espécie desaparece. Um exemplo: em novembro passado foi descoberta uma nova espécie de orangotango na Indonésia, e que já está ameaçado, ou seja, um primata de grande porte foi descoberto muito recentemente, e provavelmente temos muito ainda a descobrir.

Ignorar essa questão poderá causar sérios problemas no futuro. Quer mais um exemplo? Discute-se a causa do elevado número de mortes de abelhas, ou o desaparecimento de outros insetos. Mas onde isso nos afeta? São insetos, será que é realmente importante nos preocuparmos com isso? Com esses animais? Não seria mais importante nos preocupar com menores abandonados, doenças em idosos, a fome?

Sim, evidentemente que é, mas o desaparecimento desses insetos, por exemplo, pode prejudicar a polinização de plantas, daí… já entendeu? A fome? Polinização, plantas, alimento. Sim, devemos nos preocupar com esses e todos os demais animais, ou plantas, rios etc. justamente para resolver outros problemas da mesma forma relevantes.

Ao ficarmos em êxtase com esses animais, com toda a sua farra ao entardecer nas nossas avenidas, temos de refletir sobre as necessidades que essas espécies possuem: abrigo, alimento, espaço etc. A conservação de áreas realmente apropriadas para as espécies que vivem nas nossas proximidades deve ser considerada, e todos nós, humanos e animais, além evidentemente de outras espécies, como plantas, ou mesmo os rios etc., deverão ser apreciados como um todo. Não podemos imaginar que não sofreremos consequência alguma, ao modificarmos nossa cidade da forma como fazemos. Temos de pensar em áreas verdes, rios, matas em estado de conservação adequadas, não lá longe (como fazemos com a Amazônia). Temos de considerar isso aqui mesmo em Ribeirão Preto, nossa cidade.

Mais informações:
Urban wildlife: Past, present, and future. Magle et al., 2012. Biological Conservation 155, 23-32.

A wildlife tolerance model and case study for understanding human wildlife conflitcs. Kansky et al., 2016. Biological Conservation 201, 137-145.

Gelson Genaro
Médico veterinário formado pela Universidade Estadual Paulista 
(UNESP) de Jaboticabal (SP), com mestrado e doutorado pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto-USP em Fisiologia. Professor da disciplina Bem Estar Animal, no Centro Universitário Barão de Mauá, de Ribeirão Preto (SP)