Fernanda de Tavares Canto Guina

A pandemia da COVID 19 trouxe desafios enormes a serem enfrentados pelos grandes líderes mundiais, entre eles, equilibrar os recursos públicos para assegurar os gastos necessários para manutenção dos atendimentos da saúde e, ao mesmo tempo, a preservação do nível de renda, diante da necessidade do isolamento social, que obrigou o fechamento de comércios, shoppings, casas de shows, entre outros estabelecimentos, por mais de quatro meses mundo afora.

O planeta já viveu ao longo dos últimos 1500 anos, quando começaram os primeiros registros, inúmeras pandemias, como as da peste bubônica, gripe espanhola, varíola, entre outras, descritas magistralmente por William McNeill, no livro Plagues and People.

A pandemia da COVID 19 provavelmente ainda poderá contaminar um número enorme de pessoas, devido à conexão facilitada entre continentes, o que permite o vírus circular rapidamente, através das cabines pressurizadas dos aviões.  

Nesse contexto, de conflito entre a sobrevivência da população e a economia do planeta, surgiu de forma mais evidente uma reflexão sobre a cultura do desperdício, do descartável, já que os recursos ambientais são finitos. Ademais, surge a necessidade de se produzir cada vez mais, com eficiência de recursos ambientais e financeiros, diante da crise econômica mundial que se aproxima.

É evidente a força do capitalismo na geração de riqueza no mundo. O que complicou, de forma inesperada a evolução das sociedades, pare e passo com o progresso, foi o efeito colateral gerado pela explosão do consumo. A exemplo da grande devastação ambiental, ocorrida especialmente nos países ricos, nos últimos séculos, tendo em vista a necessidade de matéria prima para a fabricação de tantos produtos.

A devastação das florestas, principalmente nos EUA e na Europa foi gigantesca no pós-revolução industrial, para atender a demanda da grande indústria que surgia, de bens de consumo duráveis e não duráveis. Fala-se, inclusive, que um esquilo poderia saltar de árvore em árvore, indo da costa leste a costa oeste dos EUA há 150 anos. Sem falar da porcentagem ínfima, menos de 6%, de florestas nativas preservadas na Europa.

Assim, as florestas historicamente desmatadas e desvalorizadas, tornaram-se um ativo fundamental nos dias atuais, quando se percebe a importância para o controle das emissões de carbono, com reflexos no clima, no regime de chuvas e na própria sobrevivência das sociedades.

No âmbito da globalização, a informação é imediata e o Soft Power dos países ricos influencia as populações dos países mais pobres a almejarem um padrão de consumo semelhante.

Evidentemente, os principais atores internacionais, que não pouparam suas florestas e seus recursos naturais para se desenvolverem, nas últimas décadas, passaram a se preocupar com as mudanças climáticas e voltarem-se para aqueles países menos desenvolvidos, possuidores, ainda, de vastas florestas e fartos recursos naturais. Os países mais pobres seguem levando uma culpa indevida pelo fenômeno.

Embora seja uma preocupação legítima, ela vem contaminada com evidentes injustiças com aqueles países que possuem políticas bem alentadas de preservação ambiental, como é o caso do Brasil, que conta com mais de 65 % de cobertura florestal nativa preservada. O código florestal brasileiro é um dos mais completos que existe no planeta.

Exemplo de tamanha injustiça foi a declaração estapafúrdica do presidente da França, Emmanuel Macron, condenando o consumo da soja brasileira, que teria sido colhida em meio a devastação da floresta Amazônica.

Estamos todos no mesmo barco, razão pela qual a preocupação ambiental deve ser de todos nós. O que não se pode aceitar é a ingerência internacional, não consubstanciada em fatos concretos.

Neste cenário terrível de pandemia, em que os governos, sem exceção, muitas vezes têm de escolher entre aplicar recursos no combate à doença ou à manutenção na condição econômica da população, como dito inicialmente, parece uma improbidade atingir a imagem do país responsável por produzir alimentos de forma sustentável e significativamente mais barata. Tal atitude, voltada a desgastar imagem do agro brasileiro, ocorre muitas vezes, por razões dúbias. Ou seja, não se sabe se há interesse político, preocupação ambiental, busca por reserva de mercado ou manutenção dos subsídios agrícolas, existentes na Europa.

 O Brasil é um dos líderes mundiais no fornecimento de alimento há muito tempo. O mundo precisa do Brasil para se alimentar. Entretanto, reveste-se de uma grande injustiça atacar o seu agronegócio, baseado em premissas não embasadas em reais evidências.

Fernanda de Tavares Canto Guina é Bacharel em Relações Internacionais, pela Universidade de Brasília, Mestre em Administração de Organizações pela Universidade de São Paulo e Doutoranda em Administração de Organizações pela USP entre 2013 e 2015. É autora de livros como The Country of Origin Effect for the Brazilian Beef in Europe (2011), Caminhos da Pecuária Brasileira (2012), entre outros vários artigos acadêmicos sobre a Imagem do Brasil e o chamado Efeito País de Origem.