A tecnologia e as mídias sociais nos permitem acompanhar o que acontece no Brasil e no mundo quase simultaneamente. Um episódio recente, envolvendo um garçom homossexual, uma família e o gerente de um restaurante gerou bastante indignação. Uma família não se sentiu à vontade sendo atendida pelo garçom, cuja orientação sexual deveria ser somente do interesse dele e de quem se relacionasse. O gerente, talvez por medo, não teve uma postura justa e acabou gerando um constrangimento ainda maior, inventando uma mentira para que o funcionário não voltasse mais à mesa. Parece cena de novela, mas é a realidade na qual estamos inseridos, embora indignados.

Quando falamos em homofobia, aversão aos homossexuais e aos relacionamentos homoafetivos, precisamos saber que 28 horas é o intervalo entre um e outro assassinato de homossexuais no Brasil. Diante de várias considerações sobre a homossexualidade, uma muito comum é ouvir que estamos no final dos tempos, quando um homem se relaciona com outro homem ou uma mulher com outra mulher.

Com o objetivo de trazer conhecimento sobre o assunto, lancemos mão de um pouco de história para provar que a homossexualidade não é uma tendência nem a anunciação do fim dos tempos.

Na antiguidade grega, a relação entre membros do sexo masculino era denominada pederastia. Ao mesmo tempo, a poetisa grega Safo, que vivia na ilha de Lesbos, relatava em seus poemas o amor sexual e emocional entre ela e outras mulheres. Aliás, foi o nome da ilha que deu origem ao termo lésbica, definindo a preferência de uma mulher por alguém do mesmo sexo.

Tomamos como exemplo Alexandre, o Grande, que teve como seu preceptor o sábio Aristóteles. Ele tornou-se rei aos vinte anos, transformou a Macedônia, casou-se com uma persa, com o intuito de misturar raças, e enamorou-se de Hefestião.

Um fato interessante é que embora os gregos aceitassem a homossexualidade e a bissexualidade, eles discriminavam um homem efeminado, pois acreditavam que a homossexualidade não significava de forma alguma inversão sexual. Esta questão nos leva a questionar as razões da intolerância. O incômodo residia nas características “femininas”, o que nos leva a refletir sobre as raízes da misoginia.

Em 1935, Freud recebeu carta de uma mãe de um jovem homossexual com a pretensão de que seu filho fosse “curado” pelo psicanalista. Em resposta à mãe, o estudioso alemão respondeu que a homossexualidade não era qualificada como doença, mas sim uma variante da função sexual. Todos sabemos que Freud foi um homem à frente de seu tempo e com demasiada coragem. Ele falou sobre o desenvolvimento psicossexual, mesmo sabendo que encontraria objeções e resistência. Embora o psicanalista já soubesse, no século XIX, que a homossexualidade não era uma doença, até 17 de maio de 1990 a Organização Mundial da Saúde considerou o contrário. E trinta anos depois ainda se fala em “curar” a homossexualidade.

Segundo relatório da ILGA (Associação Internacional de Gays e Lésbicas), em 70 países é crime ser homossexual, bissexual e transexual; em 11 nações é punível com pena de morte. Em Camarões, na África Central, um jovem de 23 anos, Jean-Claude Roger Mbede, foi preso e condenado a três anos de prisão por enviar uma mensagem de texto para outro homem, dizendo que o amava. O camaronês morreu em 2014, aos 34 anos. Ele estava foragido quando teve fortes dores no estômago e não pode procurar ajuda médica devido a sua orientação sexual. Na Rússia foi aprovada uma lei que proíbe a propaganda homossexual. Falar, discutir, escrever ou fazer qualquer publicação relacionada com a diversidade é proibido.

No Brasil, O Supremo Tribunal Federal criminalizou recentemente a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero. Um fato importante é a implementação efetiva dessas medidas. Para o autor principal do mapa Homofobia de Estado, Lucas Ramón Mendos, a proteção legal não garante uma situação segura e não hostil.

Voltando à preocupação de uma mãe, ao descobrir a orientação sexual de um filho que vive em uma sociedade heteronormativa, onde a “norma” é relacionar-se com pessoas do sexo oposto. Mesmo sabendo o quanto é difícil admitir-se homossexual em uma sociedade homofóbica, em que muitos agem como seres medievais, lançando pessoas que diferem da “norma” à fogueira da intolerância, a busca pela possível “cura” seria a perpetuação do preconceito e a disseminação da intolerância.

Francis Wolff, no livro Civilização e Barbárie nos questiona sobre quem seriam os bárbaros de hoje, lembrando que na Grécia Antiga eles eram os “não gregos”; no nazismo, “os não arianos”, e hoje os que querem eliminar quem pensa e age diferente.  Para Wolff, o limite entre civilização e barbárie é a convivência. Na dúvida de como lidar com a diversidade, um bom parâmetro a seguir é estar ciente de que todos têm direito de ser o que quiserem, e ninguém tem o direito de querer eliminar o outro por ser diferente de si.

Em 08 de maio de 1996, a África do Sul tornou-se o primeiro país a proibir constitucionalmente a discriminação dos seus cidadãos, baseada na orientação sexual. A constituição protege pessoas contra o preconceito por raça, gênero, sexo, gravidez, estado civil, origem social ou étnica, orientação sexual, idade, incapacidade física, religião, consciência, crença, cultura, língua e nascimento. A discussão sobre igualdade social, civil e política está diretamente relacionada com a felicidade pessoal, o respeito mútuo e a superação do preconceito.

O Brasil é considerado o país mais homofóbico do mundo e segue rotulando as pessoas. Leandro Ramos, diretor no Brasil da All Out, um movimento global em defesa do amor e da igualdade, discorreu sobre sexualidade e atitudes renovadoras no TEDx e concluiu dizendo que para existir uma mudança devemos ser quem a gente é, amar quem a gente ama e fazer a nossa parte para que todo mundo, de qualquer lugar do mundo, também tenha esse direito.

Enquanto pais, não devemos projetar nossos ideais nos filhos, e sim lutar para que eles possam estar felizes, seguros e livres, independentes da orientação sexual.  E como sociedade, não devemos questionar o direcionamento do desejo do outro. Seria uma violação dos direitos à liberdade de expressão e igualdade.

Aline Esteves

Aline Esteves, sexóloga e psicanalista 
www.alineesteves.com
insta: @aline.esteves.sexologia