Assim de farinha está bom?

Por Sabrina Galli

Chef Sabrina

Lembro-me como se fosse hoje: eu, sentada em uma mesa de cozinha, copiando uma receita para o caderno da minha mãe.

Ela sempre teve cadernos de receitas. Lembro-me de dois deles com mais clareza. Um deles era quase todo feito por recortes de embalagens, daquelas receitas que ficam estampadas nos rótulos dos produtos. Ou com recortes de revistas. Se a receita estivesse também escrita no verso no recorte, minha mão colava só a parte de cima, ou do lado, com cuidado para que tudo o que estivesse escrito ainda pudesse ser lido. Isso fez com que o caderno tivesse mais do que o triplo de sua espessura original. E não tinha capa. Quando o conheci, ele já estava sem capa.

O outro era uma agenda, de capa azul meio fofinha, e era apenas escrito, não havia colagens. Receitas copiadas ou ditadas por amigas, tias, primas, mães. A maioria escrita com a letra dela, mas algumas já tinham a minha. Uma letra de criança, que escrevia com cuidado, pois já percebia a importância de ser fiel a cada ingrediente, a cada linha do modo de preparo. E no nome da receita, sempre vinha o devido reconhecimento a quem dividiu aquela pequena joia em forma de comida.

Talvez a agenda tivesse alguma colagem. Talvez o livro sem capa tivesse alguma receita escrita. Não importa. Ainda posso verificar pessoalmente, pois ambos existem, tamanha a reverência a esses conhecimentos passados de uma geração à outra.

Reverência: ação de demonstrar respeito e humildade em relação a algo ou alguém considerado sagrado ou importante. O importante aqui é reconhecer o quão é indispensável a sabedoria empírica que vem do mar de gente que sempre cozinhou e nunca sequer abriu um livro de técnicas culinárias. Um mar de gente que nunca foi a um congresso de gastronomia, ou a um evento de tendência, mesmo porque eles nem existiam. Ou mesmo que nunca, em sua juventude, jantou em um restaurante caro para saborear as novas criações de um chef. Gente que criava e conversava receitas, que dividia novas descobertas, que repetia a receita de família, que alimentava a todos em seu redor.

E mesmo dando aula há anos, e estudando, e aprendendo a cada dia, ainda me pego constantemente perguntando coisas básicas a qualquer mulher ou homem da minha família com idade de cozinha maior que a minha, e de preferência pelo menos com umas ruguinhas no rosto. Assim de farinha está bom? Preciso cortar menor? Bato mais, ou este é o ponto? Coisas que meus alunos me perguntam quase que diariamente. Mas diante dessas pessoas, não estou no comando, e nem quero estar.

Na minha família, todos cozinham. Não me recordo de nenhuma exceção. E com eles eu sou mais alguém que cozinha. Só. E é nessas horas de lazer, cozinhando por puro prazer, que me sinto mais verdadeira em minha profissão.

Face

Insta: @binagalli

16 99153-9292