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Paulo Sá Elias

O RibeirãoSul entrevistou o advogado Paulo Sá Elias. Especialista em Direito Civil, Constitucional e Direito da Informática e Tecnologia. Professor Universitário de Direito. Mestre em Direito pela UNESP.  Mantém o site: www.direitodainformatica.com.br e o perfil @paulosaelias na rede Twitter. Elias falou sobre a aplicabilidade de legislação brasileira aos crimes praticados pela Internet, sobre o aparato tecnológico disponível para investigação, quais crimes são mais praticados no meio virtual e a diferença entre liberdade de expressão e calúnia, injúria e difamação.

Nos últimos anos, muito se tem falado sobre os crimes na internet. É correto dizer que a legislação brasileira para os tradicionais crimes de injúria, calúnia e difamação se aplica à Internet?

Sim, claro. Lembro-me muito bem quando o saudoso professor Miguel Reale esteve aqui em Ribeirão Preto, e juntos visitamos o Teatro Pedro II e o Pinguim, e conversamos demoradamente sobre a relação entre o Direito e as novas tecnologias, especialmente a Internet. Na oportunidade, o grande professor dizia que é um equívoco imaginar que diante de uma nova tecnologia, o Direito pode não ter mecanismos para atuar. Independente de uma legislação específica, muitas vezes encontramos a solução. Apenas o meio é novo. É claro que no Direito Penal, se uma conduta não for descrita como crime, resta procurarmos a responsabilidade na esfera cível, no entanto, não podemos esquecer que os velhos e conhecidos crimes podem ser praticados com a utilização de novos meios. É dizer: o meio é novo (no caso a Internet), mas o crime é aquele velho conhecido de todos, por exemplo, o crime contra a honra, o estelionato etc. Sendo assim, há muitos casos em que é possível aplicar perfeitamente a legislação existente quando praticados por meios novos e tecnologias que não existiam anteriormente, quando a lei foi criada. Por isso que eu sempre lembro aos meus alunos na Faculdade de Direito da UNAERP aquela velha sabedoria do Direito Romano: scire leges non hoc est, verba earum tenere, sed vim ac potestatem – saber as leis não é conhecer-lhes as palavras, porém a sua força e poder, isto é, o sentido e o alcance respectivos.

Com o avanço da tecnologia, os crimes praticados na internet deixam pegadas ou rastros muitas vezes mais evidentes que os crimes praticados fora da rede?

É verdade. Muitas vezes sim. As técnicas e equipamentos de perícia forense também estão cada vez mais eficazes e impressionantes. O criminoso virtual para conseguir eliminar as pegadas ou rastros virtuais precisa dominar técnicas e procedimentos bastantes avançados para conseguir enganar as autoridades e peritos especializados. Cada vez é mais difícil esconder o ilícito praticado por meio de computadores e da Internet. Há muito tempo a Internet deixou de ser terra de ninguém, onde era possível fazer de tudo e ter a certeza de impunidade. É bem verdade, no entanto, que a cada dia encontramos também novos métodos e técnicas sofisticadas para a prática de crimes por meio da Internet, como por exemplo, a utilização do TAILS (The Amnesic Incognito Live System), que é um sistema operacional completo baseado em Linux/Debian e que iniciado a partir de um DVD ou de um simples pendrive, promete preservar a privacidade do usuário e o caráter anônimo de sua utilização da Internet, não deixando rastros (se corretamente utilizado). Todas as conexões de Internet realizadas pelo TAILS são realizadas pela rede TOR (que é uma rede aberta e distribuída, contra análise de tráfego, redirecionando as comunicações do usuário por meio de uma espécie de “rede de repetidores” mantidos por voluntários ao redor do mundo). As conexões que não sejam anônimas são bloqueadas automaticamente pelo sistema. Mas muitas vezes os criminosos que atuam na Internet, por mais sofisticados que sejam, se esquecem que a polícia e as autoridades também contam com os meios tradicionais de investigação, os inúmeros e experimentados métodos da Old School. É justamente por esse caminho, que muitas vezes encontramos a solução para casos bastante complicados como esses em que os criminosos utilizam recursos tecnológicos muito sofisticados, principalmente quando os agentes criminosos são da nova geração. Aliás, um dos desafios da operação Lava Jato atualmente é rastrear parte do dinheiro desviado pela organização criminosa política brasileira em Bitcoins e outras moedas eletrônicas baseadas na tecnologia Blockchain.

Quais os tipos de crime mais comuns na internet?

Os crimes contra a honra, o estelionato (muitas vezes praticado em comércio eletrônico), pedofilia, crimes decorrentes da contrafação (que é a reprodução não autorizada de obras protegidas pelo Direito Autoral, tanto pela Lei 9.610/98 – que é a Lei de Direitos Autorais, como também de programas de computador (Lei 9.609/98), invasão de computadores, crimes contra as relações de consumo (CDC – Código de Defesa do Consumidor) e outros.

As delegacias especiais estão bem equipadas para investigações de crimes na internet? Quais as inovações em tecnologia e inteligência para isso?

Em geral, as delegacias especializadas estão bem equipadas e contam com uma equipe de peritos altamente especializados, principalmente a Polícia Federal. A cada dia são desenvolvidas novas ferramentas (hardware) e também software que auxiliam as autoridades. Além do que, em virtude do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), os provedores de conexão e também os de aplicação de Internet são obrigados a colaborar com o fornecimento de dados e informações, na maioria das vezes, em decorrência de ordem judicial.

Em suas redes sociais, um condenado por injúria, calúnia e difamação contra um político, declarou, mais recentemente, que tudo o que ele disse foi provado posteriormente, mas ele mesmo foi condenado. Explique a diferença entre crítica legal, denúncia e os crimes que levam à condenação.

De forma geral, os direitos constitucionais de crítica, liberdade de expressão e manifestação do pensamento são plenamente oponíveis especialmente aos que exercem qualquer atividade de interesse da coletividade em geral, como é o caso dos políticos. O cidadão tem o direito de opinar, de reclamar, de criticar. Esta possibilidade constitucional garante legitimidade ao direito de crítica mesmo diante de eventuais suscetibilidades que possam revelar as pessoas públicas ou de grande exposição (notórias) – ocupantes, ou não, de cargos oficiais, tais como um Prefeito Municipal, por exemplo. As críticas, por mais duras e veementes que possam ser – desde que não ultrapassem os limites daquilo que é considerado lícito, constitucionalmente assegurado – não ingressando no campo dos crimes contra a honra, desrespeitando o disposto no inc. X, do art. 5º, CF – entre outros, não são passíveis de responsabilidade por conta do caráter mordaz ou irônico, ou até mesmo em razão de seu rigor.  A sociedade brasileira, fundada em bases democráticas, não tolera (e não deve e não pode tolerar) qualquer repressão (especialmente estatal) ao livre pensamento e expressão, ainda mais quando a crítica – por mais dura que seja – revele-se inspirada pelo interesse coletivo e decorra da prática legítima de uma liberdade pública. Os direitos de personalidade (incluindo a liberdade de expressão, pensamento, criação, informação) estão constitucionalmente protegidos de restrições em seu exercício, seja qual for o suporte físico ou tecnológico de sua veiculação, desde que em harmonia com os demais direitos fundamentais. O povo brasileiro precisa aprender a fazer críticas contra os políticos (que as merecem como nunca antes na história do Brasil) sem ingressar no campo dos crimes contra a honra, quando for o caso. Mas é sempre bom lembrar que a exceção da verdade (a prova de que o que foi dito é realmente verdadeiro) é possível nos crimes de calúnia e difamação.

Como o sr. avalia a legislação brasileira para os crimes em meio virtual?

O Brasil tem promovido a legislação neste campo com os cuidados necessários. É claro que, muitas vezes, novos projetos de lei têm início no Congresso Nacional em virtude do clamor público e de casos notórios. Mas como eu disse anteriormente, nem sempre é necessária a criação de novas leis. No âmbito penal, especificamente, em razão de suas características de segurança jurídica, sempre que um fato novo não for descrito previamente por uma lei como crime, há necessidade da criação de novas normas. Há casos em que a legislação precisa de atualização e aprimoramentos, pois todos nós sabemos que não existe crime sem uma lei anterior que o defina. A não existência de um fato definido como crime não impede a vítima, no entanto, de recorrer à esfera cível (responsabilidade civil), para tentar conseguir reparações por eventuais danos morais, materiais, e demais ilícitos civis. Desta forma, a importância de leis que regulamentem crimes cometidos pela Internet só existe naqueles casos em que estamos diante de uma conduta que ainda não foi tipificada como crime, em razão de suas características inovadoras. Mas observe que condutas criminosas já descritas como crime e cometidas por consumidores e vendedores podem ser aquelas velhas conhecidas, de crimes já existentes (como é o caso do estelionato, dos crimes contra a honra, divulgação de segredo, extorsão, fraude no comércio, violação de direito autoral etc.) – que, embora praticados por meio novo; ou seja, a Internet e computadores – são perfeitamente aplicáveis.

Por outro lado, observe que nem tudo deve ser criminalizado. Há uma tendência da sociedade em querer transformar em crimes as mais diversas condutas, como queriam fazer aqui no Brasil há alguns anos, felizmente sem sucesso, por exemplo, com o SPAM (mensagens publicitárias indesejadas). Não faz sentido algum criminalizar o SPAM. A criminalidade deve recair apenas sobre fatos contrastantes dos valores mais elevados do convívio social. A conduta deve merecer a sanção penal. O crime é o último grau do sistema jurídico. A justiça criminal tutela infrações maiores ou comprometedoras do mínimo ético. Mirabete, conhecido jurista da área penal dizia que “o desvalor do resultado, o desvalor da ação e a reprovabilidade da atitude interna do autor é que convertem o fato em um exemplo insuportável e que seria um mau precedente se o Estado não o reprimisse mediante a sanção penal, ou seja, a criminalização daquela conduta específica”. Portanto, fora do âmbito criminal, na esfera cível, também encontramos uma série de instrumentos para proteção aos direitos.

Um exemplo recente é a Lei 12.737/2012, que trata da invasão de dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança. Lamentavelmente chamada por leigos como “Lei Carolina  Dieckmann” – a própria atriz já se manifestou contrariada em relação à essa denominação, afinal, o que ela mais deseja é não ser importunada em razão da invasão que sofreu. Temos que parar com essa história de denominar a referida lei desta forma.