Felippe Lima Sant’Anna

Muito tem se comentado ultimamente sobre a Medida Provisória 984, nomeada MP do “futebol”, ou até mesmo para os mais frementes da “MP do Flamengo”, sendo o ponto principal a deliberada autonomia dos clubes para que possam negociar a transmissão de suas partidas com mando de campo, um marco histórico que pode tanto trazer avanços quanto a retroceder em outros aspectos se não forem bem observados.

A Medida Provisória 984 basicamente transferiu a autonomia dos clubes mandantes para negociarem suas transmissões nas partidas, bem como a reprodução das imagens e vídeos dos jogos, cabendo a estes também distribuição dos direitos de arena para os atletas. Permitiu a publicidade de empresas do ramo das comunicações (rádio, tv, streaming etc), além de alterar o prazo limite de 30 dias  do contrato de trabalho de atleta profissional, três vezes menor do que o prazo da disposição legal anterior.

Importante para analisar sempre o conteúdo de uma Medida Provisória inicialmente será observar se estão preenchidos os seus requisitos para a sua edição. As Medidas Provisórias (MPVs) são normas com força de lei editadas pelo Presidente da República em situações de relevância e urgência. Tal requisito da relevância é muito questionado tratando da matéria da MP em questão, porém antes de quaisquer considerações a serem levadas sobre a MP, o seu ponto de partida é entender que a mesma ataca na prática tão somente a modalidade futebol, assim como tantas outras normas editadas respectivamente sobre o assunto esporte no Brasil.

Feita essa consideração, das suas principais alterações  apenas há uma disposição que me parece extremamente urgente, que se trata da redução do prazo do contrato do atleta, sendo as demais realizadas de forma extremamente alarmista que aparentam ter favorecido tão somente uma entidade de prática desportiva, a mesma na qual se reuniu com o Presidente da República nos dias que antecederam a publicação da MP 984, e que por sua vez mostra que uma das prioridades do Governo Federal neste momento de pandemia  é atacar uma emissora de televisão. Inevitável em qualquer discussão sobre o futebol e analisar as suas respectivas leis, levar em consideração os movimentos políticos assim como as particularidades desse mercado.

É evidente que os clubes de maior visibilidade e que concentram o mercado do  futebol brasileiro saem afetados na sua receita por conta da paralisação dos campeonatos e sua iminente e temerária volta sem arrecadação dos valores do “matchday” pela falta de público.  Todos esses quesitos são uma legitima justificativa para rever os valores negociados em contratos de transmissão que antecederam a pandemia, contudo, o imediatismo realizado para tratar sobre o assunto deve também ser questionado, a fim de que os personagens do esporte não sofram de insegurança jurídica, e que os clubes pequenos não saiam afetados.

A MP traz uma autonomia que diversos clubes no mundo a fora sabem muito bem lidar, assim como possuem uma maior união entre seus adversários desportivos, o que no Brasil parece que as entidades não compreenderam de fato a interdependência desse mercado em particular. Trago aqui uma consequência pratica da edição dessa lei, na qual o Flamengo se beneficiou da MP para transmitir seus jogos em seu canal no Youtube da FLATV.

Em minha própria experiência ao acompanhar as últimas transmissões das partidas do Flamengo em sua plataforma, confesso que em alguns instantes estava me questionando se realmente havia outro time disputando a partida, haja vista que a transmissão declaradamente parcial para uma das equipes me trazia essa dúvida em alguns momentos. Apenas se houve falar da história do Flamengo, das substituições do Flamengo, das imagens dos seus  jogadores e no máximo uma ou outra consideração sobre o goleiro do time adversário.

Toco nesse ponto porque entendo ser uma questão que deve realmente ser observada, a transmissão democrática que cobre os dois times, fale sobre curiosidade das duas equipes, entreviste atletas tanto de um quanto do outro clube, divulgue os patrocínios estampados na camisa do adversário. Essa é uma premissa muito significativa para a transmissão de eventos esportivos, e ignorá-la só prejudicará os investimentos no setor e pode aumentar exponencialmente da disparidade entre os clubes do futebol brasileiro.

O diagnóstico sobre o efeito da MP 984 ainda é prematuro, mas podemos tirar algumas conclusões que possam vir a acontecer caso os clubes não  formem ligas para negociar de forma conjunta as transmissões e reprodução das imagens das partidas, outrossim repensar sobre esse modelo de transmissão feito pelas próprias entidades e que privilegia tão somente sua marca e seus patrocinadores. Essa autonomia deliberada aos clubes não poderá vir acompanhada da ausência de compromisso com o mercado a qual ela faz parte.

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Felippe Lima Sant’Anna
Advogado pós-graduando em Direito Desportivo pela Escola Superior da Advocacia/ 16 997237760
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