Muitas vezes somos conduzidos à exaustão pelo positivismo de acreditar que  daremos conta de tudo e  pensarmos no sucesso como uma necessidade.  O filósofo sul-coreano Byung-Chul Han  escreveu o livro Sociedade do Cansaço, em que discorre sobre o excesso de positividade presente na sociedade contemporânea. Adriana Marino, doutora em Psicologia pela Universidade de São Paulo, acredita que esta  exaustão se deve, em grande parte, pela intensa imersão no universo digital.

Se pensarmos sobre as consequências inimagináveis da sociedade do desempenho na contemporaneidade, quando fazemos do sucesso uma necessidade imperativa, concordamos, como é citado pela psicóloga, que o  excesso de estímulos advindos do mundo digital pode gerar ansiedade, depressão e esgotamento.

Uma pesquisa realizada pelo Ibope, em 2013, demonstrou que 98% dos brasileiros se sentem cansados mental e fisicamente e ainda apontou que os jovens de 20 a 29 anos representam a maior parte dos exaustos.  Ao refletirmos sobre a quantidade de horas dedicadas ao universo digital, nos deparamos com o possível declínio das horas de sono e na  atuação da melatonina no cérebro. É ela que age como reguladora durante a noite e nos traz a tão desejada disposição matinal.

De modo geral, todos os espaços promovem a elevação de desempenho. No ambiente escolar buscam medicação e nomeação de possíveis transtornos para as crianças que compõem esta sociedade.

Quando falamos sobre a elevação do desempenho, me vem à mente o  filme Cisne Negro (Black Swan, 2010), do cineasta Darren Aronofsky. A personagem Nina (Natalie Portman) tem uma mãe manipuladora e castradora, que projeta  seu desejo de realização na filha.  Além da  pressão e repressão vindas da mãe, o balé não representava apenas o que ela fazia, mas o que ela era. Segundo a psicanalista Malvine Zalcberg, a devoção ao balé representava a possibilidade de encontrar um senso de existência através de seu corpo exercitado à exaustão.

Esse cansaço constante nos remete ao que foi abordado no livro de Han sobre como o excesso da elevação do desempenho nos conduz ao infarto da alma. A simbologia dos espelhos no filme revela uma necessidade de olhar para si, para as sombras, o que pode trazer autoconhecimento ou até mesmo autodestruição. Parafraseando Rubem Alves, ninguém resiste a um espelho mau, a madrasta da Branca de Neve que o diga.

Em tempos de pandemia e home office retomamos a importância de separar as duas esferas: trabalho e indivíduo, pois caso contrário teremos um esgotamento coletivo.

Uma outra vertente seria a contradição existente entre aquilo que é postado no universo virtual e o que realmente sentimos no mundo real. Em 2019 o cantor e compositor Tiago Iorc foi vencedor do Grammy Latino, na categoria Melhor Canção, com a música  Desconstrução. A composição retrata a relação nada saudável estabelecida em redes sociais, em que as singularidades asseguram uma curtida, mas não percebem a depressão e às vezes o pedido de socorro existente na pessoa que está por detrás de uma tela.

Em meio a tanta necessidade de desempenho, durante o processo de aceleração do tempo,  nos resta pensar na escolha do Pequeno Príncipe, na renomada obra de Antoine de Saint-Exupéry, quando lhe foi oferecida uma pílula da sede. Segundo o vendedor da história, ele deveria tomar uma por semana. Assim, ganharia cinquenta e três minutos semanais. O principezinho não titubeou em recusar a medicação e justificou que preferiria gastar esses minutos caminhando passo a passo, com as mãos nos bolsos, em direção a uma fonte.

Diante de tantas reflexões, devemos optar pelo equilíbrio em tudo que somos e fazemos, pois levados à exaustão não reconheceremos as belezas que se encontram pelo caminho, os pedidos de socorro e a importância de atuarmos como rede de apoio para todos que nos cercam.

Finalizo com uma citação freudiana adaptada: Se somos feitos de carne, por que temos que viver como se fôssemos de ferro? O jornalista uruguaio Eduardo Galeano tem uma visão interessante: “Somos o que fazemos, mas somos, principalmente, o que fazemos para mudar o que somos.”

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Aline Esteves, sexóloga e psicanalista 
www.alineesteves.com
insta: @aline.esteves.sexologia