Felippe Lima Sant’Anna

Embora tenha sido editada no mês de junho, a Medida Provisória 984, ou “MP do Futebol”, traz a cada semana novos capítulos com relação aos direitos de transmissão das partidas de futebol, principalmente após litígios judiciais entre as emissoras que possuem contrato de transmissão com os clubes do Campeonato Brasileiro da série A.

A Medida Provisória, embora muito questionada por juristas quanto a sua constitucionalidade, deliberou aos clubes mandantes o direito de negociar a transmissão das partidas, sendo este o principal ponto de conflito entre as emissoras Globo e Turner. A primeira, a qual possui contrato de exclusividade de transmissão com a grande maioria dos clubes até 2024, tendo a segunda firmado contrato com oito dos vinte clubes da série A. Para que seja compreendido qual a grande mudança que a MP 984 trouxe para ambos os canais, precisamos antes entender quais foram os objetos contratados entre os clubes e emissoras.

Anteriormente, a Turner poderia somente transmitir uma partida do Brasileirão caso houvesse firmado Contrato de Transmissão com ambos os clubes que disputariam a partida, o que, no caso da Turner, teria um número de transmissões de partida muito menor do que a Globo. Porém, após a edição da MP do Futebol, teria a Turner direito de transmitir quaisquer jogos dos oito clubes que firmaram contrato na oportunidade que estes sejam mandantes, mesmo que o clube visitante não tenha contratado a emissora, o que de fato excluiu os direitos de exploração de propriedade dos visitantes, deixando apenas com que o clube mandante se beneficie economicamente do espetáculo proporcionado por ambas as equipes.

Não há aqui uma intenção de analisar a constitucionalidade ou não da MP, embora entendo que há violações a princípios constitucionais. Todavia, a redação do artigo 42 da Medida Provisória traz um novo paradigma no que tange ao próprio instituto do Direito de Arena, assim como do próprio mecanismo do esporte, haja vista que a Arena é toda a complexidade da transmissão de uma partida de futebol, é a indenização decorrente da divulgação da imagem tanto da equipe mandante quanto da visitante, da coletividade dos atletas participantes, assim como da entidade organizadora da competição, que durante anos dava direito a comercialização do clube e dos atletas nos meios de comunicação mediante autorização do clube. Embora haja essa pluralidade de personagens no espetáculo, a MP tratou tão somente de tutelar a imagem do clube mandante, usurpando do seu adversário a exploração econômica de uma obra coletiva.

Evidentemente, a nova disposição (por enquanto provisória) da Lei Pelé e os contratos firmados entre as empresas de comunicação e os clubes, ambos realizados em momento anterior a MP, trariam uma controvérsia e um limbo que de fato prejudicaria principalmente a Globo, na qual se viria lesada pelo alto investimento feito na contratação de transmissões exclusivas, e que prontamente recorreu ao Poder Judiciário reivindicando, em caráter liminar, que a Turner seja impedida de transmitir partidas de clubes os quais ela não teria realizado Contrato de Transmissão, sob pena de multa a valor não inferior a R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais).

A princípio, o magistrado encarregado do processo em primeira instância indeferiu o pedido liminar da autora Globo, fundamentando-se no sentido de entender que embora haja um contrato estendido até 2024, o objeto contratado não estaria imune a alterações legislativas. Não satisfeita, a emissora recorreu ao Tribunal de Justiça e teve seu recurso deferido, oportunidade na qual o relator Desembargador Maldonado De Carvalho, entendendo que somente os contratos firmados após a vigência da MP 984 estariam submissas as novas regras, e, não tendo o contrato firmado entre a Globo e as respectivas entidades de prática desportiva positivado sobre quaisquer regras de transição, não estaria este adstrito a nova legislação.

Embora tenha a Justiça por hora atendido ao pedido da Globo, o processo ainda está em curso, assim como não há como deixar de reconhecer que o assunto ainda trará muitas discussões, principalmente levando-se em consideração que a MP 984 deverá ser votada na Câmara para que seja convertida em lei nos próximos dias. O covid-19 trouxe um impacto incalculável a indústria do futebol sendo inegável a readequação de certas medidas que regulamentam o esporte, porém advindas de um necessário entendimento de todos personagens atingidos.

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Felippe Lima Sant´Anna é advogado especialista em Direito Desportivo, com experiência na área trabalhista, cível e empresarial, em clubes de futebol do Estado de São Paulo, Defensor Dativo do Tribunal de Justiça Desportiva Antidopagem (TJDAD) e Membro do Comitê de Jovens Arbitralistas do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA) filiado a CBF e ao CAS/TAS (Court of Arbitration for Sport)