https://www.campeonatobrasileiro.com.br/noticia/var-e-a-grande-novidade-do-campeonato-brasileiro-serie-a-2019
Felippe Lima Sant’Anna

Desde o Campeonato Brasileiro de 2019 o futebol nacional vem, aos poucos, aprendendo a conviver com os recursos do VAR na partida, assim como lidando com a própria expectativa de que a tecnologia excluiria toda e qualquer imprecisão da arbitragem.

Passados mais de um mês  do jogo entre Atlético Mineiro e São Paulo, valido pela 7ª rodada do campeonato brasileiro, a partida ainda gera discussões acerca da polêmica atuação do V.A.R. Na ocasião, mesmo com vitória da equipe atleticana pelo placar de 3×0, a grande repercussão ficou por conta de um gol do atacante tricolor  Luciano anulado pelo V.A.R, que deu impedimento na jogada. Naquele momento, o placar estava zerado.

A intervenção do V.A.R se deu de uma maneira muito criticada primeiramente pois a olho nu e pelas reprises de imagem era visível que o atacante são-paulino estava em posição legal, concorrendo na jogada na mesma linha que o defensor atleticano, porém, de acordo diretrizes e medidas calculadas pelo V.A.R, o gol foi anulado por impedimento.

Em vista da situação, o presidente da Comissão de Arbitragem da CBF, Leonardo Gaciba, afirmou nesta quarta-feira(14/10), em entrevista ao Seleção SporTV, que houve erro na utilização do árbitro de vídeo ao anular o gol de Luciano[i].

Outrossim, argumentou Gaciba que o ocorrido advém de um equívoco humano e não tecnológico, haja vista que a linha de impedimento fora traçada  pelos árbitros de vídeo.

Sendo assim, vindo o fato a público, e, admitido o erro da arbitragem durante a partida,  fica a dúvida se existe a possibilidade de anulação do resultado, motivo pelo qual procuraremos discorrer sobre o assunto.

Primeiramente, existe um requisito primordial no Direito Desportivo para  que possamos pensar na hipótese de anulação de uma partida, e isso se passa pelo entendimento entre o conceito de erro de direito e erro de fato. O erro de fato consiste na interpretação equivocada de um lance ou jogada, por não ter o árbitro da partida visto corretamente o ocorrido ou por ter considerado determinado fato de forma diversa do que determina a norma. Por exemplo, quando o árbitro erroneamente deixa de marcar um pênalti, ou em casos de impedimento mal assinalados.

No erro de direito ocorre a inobservância do regulamento, como por exemplo, o árbitro deixar uma equipe de futebol iniciar a partida com 12 jogadores. É o erro que não decorre de interpretação ou de ato subjetivo do árbitro, mas sim da não aplicação das normas que regulam a modalidade e o campeonato. A impugnação de uma partida poderá apenas ser feita em caso de configurado um erro de direito, de acordo com o §1º do artigo 259 do CBJD.

Um fatídico caso de configuração de erro de direito e impugnação de partida decidida pelo STJD se deu no encontro entre as equipes da Ponte Preta x Aparecidense[ii], onde, comprovada interferência externa na decisão do árbitro, o mesmo anulou gol feito pela aquipe paulista, tendo o juiz da partida infringido a regra 5 do livro da FIFA, no qual diz que “as decisões do árbitro sobre fatos relacionados ao jogo, incluído o fato de um gol ter sido marcado ou não e o resultado da partida, são definitivas”.

Desse modo, o requisito do erro de direito dificilmente poderia ser aplicado ao caso da anulação do V.A.R junto ao gol do São Paulo, pois em que pese a atenuação das falhas na arbitragem por conta do equipamento, o manuseio da tecnologia ainda advém de um trabalho humano inerente a equívocos.

A pá-de-cal para o afastamento de uma suposta hipótese de erro de direito encontra sua base no próprio protocolo do VAR.(pag. 25)[iii]

“Uma partida não pode ser invalidada devido a:

  • Defeito(s) na tecnologia do VAR (inclusive na tecnologia da linha de gol – GLT);
  • Decisão errada envolvendo o VAR (dado que o VAR é um membro da arbitragem);
  • decisão de não revisar um incidente; ◊ revisão de uma situação não revisável.”

Embora seja controverso que um protocolo do V.A.R discipline questões envolvendo impugnação de partidas, na qual caberia ao CBJD através dos Tribunais de Justiça Desportiva, o regulamento define que mesmo sendo empregada a tecnologia para resolver as dúvidas da arbitragem, a mesma não tem o condão de isolar todo e qualquer ato humano digno de possíveis falhas.

Fora da nossa jurisdição, em partida da 28ª rodada da temporada 2019/2020 da Premier League entre  Aston Villa e Sheffield United, que terminou em um empate sem gols, contou com uma polemica na qual a equipe dos The Blades teve um gol no qual visivelmente a bola teria cruzado a linha, no entanto, o árbitro Michael Oliver sinalizou que seu sensor não apontou o gol, e, portanto, o placar seguiu zerado. Mesmo tendo a empresa responsável pela tecnologia de linha do gol admitido o equivoco, não houve anulação da partida[iv].

Sendo assim, por mais que a declaração do Presidente da Comissão de Arbitragem possa vir a deflagrar uma fragilidade do sistema, sob o aspecto da legalidade, não há que se falar em anulação da partida, isso porque ainda que tivéssemos comprovado o requisito de um erro de direito, o pedido de impugnação de uma partida possui prazo de até 2 dias após a partida, segundo o art. 85 do CBJD.

Dessa forma, por mais que haja um progresso no sentido de diminuir os erros subjetivos dos árbitros durante a partida devido ao uso da tecnologia, a mesma ainda é sujeita a equívocos humanos em seu manuseio na qual, sob o aspecto legal, quando incorrer em falhas será classificada no conceito  de erro de tipo, insuficiente para impugnar um jogo de futebol.

Notas e referências

[i] Gaciba admite erro na utilização do VAR ao anular gol de Luciano em Atlético-MG x São Paulo. Disponível em[ https://globoesporte.globo.com/sportv/programas/selecao-sportv/noticia/gaciba-admite-erro-na-utilizacao-do-var-ao-anular-gol-de-luciano-em-atletico-mg-x-sao-paulo.ghtml] Acesso: 14.Out.2020

[ii] Decisão Impugnação de partida Aparecidense x Ponte Preta. Disponível em [https://conteudo.cbf.com.br/cdn/201902/20190228114256_16.pdf] Acesso: 14.Out.2020

[iii] Manual para Assistente de vídeo. Versão 8. Disponível em [https://www.cbf.com.br/a-cbf/arbitragem/aplicacao-regra-diretrizes-fifa/manual-para-arbitro-assistente-de-video] Acesso em 13.Out.2020

[iv]Premier League: Empresa explica por que não tem imagens de gol não dado ao Sheffield contra Aston Villa. Disponível em[https://www.espn.com.br/futebol/artigo/_/id/7055664/premier-league-hawk-eye-explica-por-que-nao-tem-imagens-lance-gol-nao-dado-sheffield-united-contra-aston-villa]. Acesso em 16.Out.2020

Leia mais: 

Disputa Judicial entre emissoras do brasileirão confronta validade da MP do Futebol
A MP 984 e seus efeitos na transmissão das partidas 
Direito Desportivo, uma área que acompanha o crescimento do setor esportivo em Ribeirão Preto

Felippe Lima Sant´Anna é advogado, pós-graduando em Direito Constitucional (Faculdade Legale) e Direito Desportivo pela (ESA SP), com experiência na área trabalhista, cível e empresarial, em clubes de futebol do estado de São Paulo, co-fundador do podcast Além do Esporte, advogado de defesa e defensor dativo do Tribunal de Justiça Desportiva Antidopagem (TJDAD), membro da Comissão de Direito Desportivo e Arbitragem da OAB 12ª subseção de Ribeirão Preto, membro do Comitê de Jovens Arbitralistas do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA), câmara arbitral do Comitê Olímpico Brasileiro (COB) e recursal da CNRD.